Corredor de fumaça, animais queimados ou mortos e um rastro de destruição. As queimadas na Amazônia e no Pantanal batem recorde e colocam em xeque a gestão do meio ambiente no Brasil. Após intensas críticas e utilização política dos índices de queimadas contra o governo de Jair Bolsonaro (PL), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tido dificuldades de sustentar a promessa de protagonismo na gestão ambiental.
A formação de um corredor de fumaça oriundo das queimadas na Amazônia e no Pantanal tem deixado pelo menos 10 estados brasileiros em alerta (leia mais abaixo). Neste ano, o Brasil está enfrentando uma situação crítica em relação às queimadas, especialmente na Amazônia e no Pantanal. O número de focos de queimadas registrados em 2024 no Brasil já é o maior dos últimos 14 anos.
De acordo com o pelo Inpe, entre 1º de janeiro e 23 de agosto, o país registrou mais de 102.670 focos de queimadas. Esse é o maior número registrado em período equivalente nos últimos 14 anos. Desde 2010, quando 114.265 focos foram registrados, não havia tantas queimadas neste período no país. Somente a região da Amazônia Legal é responsável por mais de metade desses focos.
Essa estatística é atualizada diariamente e leva em conta os incêndios detectados por satélites, independente da área afetada. Pequenos e grandes incêndios contam como um.
Já uma outra estatística divulgada mensalmente pelo Inpe leva em conta as áreas totais afetadas pelas queimadas. Nesse recorte, a administração Lula também bate recorde. A área queimada neste ano é a maior da série histórica iniciada em 2003. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais mostram que, de janeiro até julho de 2024, uma área de 113.677 km² foi queimada no Brasil. Antes disso, o recorde havia sido registrado em 2007, quando 103.671 km² foram queimados.
Segundo governo federal, há 1.489 brigadistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no combate aos incêndios florestais na Amazônia.
“O clima mudou, mas, infelizmente, as práticas não mudaram. Mas vão ter que mudar. Na Amazônia e no Pantanal não tem incêndio natural, qualquer incêndio foi por ação humana. São as investigações que irão dizer se houve uma intencionalidade ou se foi em função de práticas culturais de uso de fogo, de tentativa de manejo de fogo no período inadequado”, afirmou a ministra Marina Silva.
Corredor de fumaça e animais mortos ou feridos pelas queimadas expõem cenário crítico
Pelo menos 10 estados brasileiros são afetados pelo corredor de fumaça das queimadas na Amazônia e no Pantanal que é transportada pelo vento e cria o que os meteorologista estão apelidando de corredores de fumaça. Até agora, há registros dessa fumaça nos seguintes estados:
- Amazonas
- Acre
- Rondônia
- Mato Grosso
- Mato Grosso do Sul
- Minas Gerais
- São Paulo
- Paraná
- Santa Catarina
- Rio Grande do Sul
De acordo com o perito ambiental Rafael de Souza Tímbola, que é engenheiro ambiental e doutor em Engenharia, o volume de queimadas na Amazônia se soma ao que vem do Pantanal, de Rondônia, onde há um mês ocorreu uma queimada no Parque Guajará-Mirim, e até da Bolívia.
“Toda essa fumaça tem formado uma densa camada cinza na atmosfera, sendo arrastada por correntes de ar e formando um verdadeiro “corredor de fumaça” que cobre extensas áreas do país”, explicou o perito ambiental.
Além do corredor de fumaça que afeta a qualidade do ar, prejudicando os seres humanos, os animais também têm sido afetados pelas queimadas. Nos últimos dias, pelo menos três onças-pintadas foram resgatadas com ferimentos nas patas causados pelas queimadas. As onças Antã, Miranda e Itapira foram resgatadas no Mato Grosso do Sul. Elas passarão por tratamento para poder retornar ao seu habitat.
Analistas apontam falhas e hipocrisia na gestão petista
O cenário crítico atual já havia sido apontado em previsões meteorológicas, alardeadas inclusive pelo governo Lula. Além disso, somam-se características cíclicas das queimadas e do clima seco no cenário atual. No entanto, o combate aos incêndios teve um corte de cerca de 50% no orçamento de 2024.
O Ibama chegou a solicitar R$ 120 milhões para o combate de incêndios, mas o governo destinou R$ 65,7 milhões para as ações por meio da lei orçamentária. Por fim, a dotação publicada após a votação no Congresso foi de R$ 50 milhões.
Para “correr atrás do prejuízo”, o governo editou uma medida provisória para destinar R$ 137 milhões para combater os incêndios somente no Pantanal.
Para analistas, a situação reflete falhas na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, em especial, no comando de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente.
“A gestão de Marina Silva, no atual governo, vem enfrentado críticas e revelando claras falhas”, apontou o advogado e chefe do Centro de Estudos Estratégicos do Iniciativa Dex, Antônio Fernando Pinheiro Pedro. Para ele, dentre as falhas estão o combate ao desmatamento ineficiente e ineficaz e a limitação de recursos para órgãos ambientais.
Desde que assumiu o cargo, a ministra Marina Silva tem repetido que o combate ao desmatamento é fundamental para evitar o aumento das queimadas. No entanto, apesar da queda nos índices de desmatamento, o cenário ficou ainda pior. “Se nós não tivéssemos uma redução do desmatamento no ano passado, de 45,7%, nós estaríamos em uma situação incomparavelmente pior”, argumentou a ministra.
As queimadas foram usadas politicamente para atacar o governo Bolsonaro e culpá-lo pela situação. Agora, na gestão petista, aponta-se que elas consquências das mudanças climáticas. Para Rebeca Youssef, advogada agroambiental, a situação expõe a hiocrisia do ambientalismo nesta gestão.
“A seca é cíclica, sabemos. A hipocrisia do ambientalismo também: surge a cada governo com uma crença diferente, não por convicção mas por conveniência. Até outro dia (ou outro governo, aquele que não se pode nomear) as queimadas tinha nome: desmonte ambiental. De lá pra cá (ou daquele governo para este), o vilão não tem mais nome presidencial. Jogaram a culpa nas “mudanças climáticas”, essa entidade que ninguém sabe bem o que significa”, escreveu Rebeca Youssef.
Cenário é cíclico e se agrava com clima seco
Historicamente, o mês de setembro costuma ser o período mais crítico da estiagem na Amazônia. No entanto, neste ano, em agosto os rios da Amazônia já registram recordes de baixas cotas na comparação com as séries históricas do mês.
De acordo com dados do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), órgão ligado ao Ministério da Defesa, o Rio Solimões está 3 metros abaixo da média observada nesse período do ano e alguns de seus afluentes, como os Rios Madeira e Acre, registram cotas próximas aos mínimos históricos.
O analista em ciência e tecnologia do Censipam Flávio Altieri afirma, no entanto, que ainda é cedo para afirmar que a seca será a mais intensa registrada na região.
“De forma geral, as condições hidrológicas dos principais rios estão piores do que as observadas em 2023, ano marcado pela pior seca na Amazônia. As previsões climáticas indicam que não há sinais de melhora no quadro chuvas para os próximos meses. No entanto, devido à vasta extensão territorial e à diversidade da região, não é possível garantir que a seca de 2024 será mais severa”, disse Altieri.
As queimadas são agravadas com o período seco na Amazônia e no Pantanal. “Todos os anos assistimos a mesma cena. A seca, impiedosa, transforma proprietários rurais em vigilantes. O fogo não escolhe trajeto nem o grau de conformidade do imóvel rural”, aponta a advogada agroambiental Rebeca Youssef, que mora em Cuiabá (MT). O Mato Grosso é o estado que registrou o maior número de focos neste ano.