Dez ministros lotados no Supremo Tribunal Federal (STF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal Superior do Trabalho (TST), no Tribunal de Contas da União (TCU) e tribunais regionais federais receberam juntos quase R$ 370 mil em cachês por 17 palestras em eventos realizados por entidades empresariais e órgãos públicos, de junho de 2021 até agosto deste ano.
Procurado pelo Estadão, o TRF-1, onde trabalha Mayer Soares, disse que as palestras são legais. “A Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não proíbem o exercício da atividade docente por parte dos magistrados, incluindo a realização de palestras, mesmo quando remuneradas, especialmente quando estas são dirigidas a instituições que integram a Administração Pública”, disse.
O segundo da lista é o ministro do STJ Luis Felipe Salomão, que recebeu R$ 42,8 mil por uma palestra realizada em junho, e outros R$ 9,3 mil para discursar num evento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção. O ministro mantém desde 2018 a firma “Direito e Justiça Comércio de Livros e Eventos Jurídicos LTDA” com o filho, o advogado Rodrigo Cunha Mello Salomão, por onde recebeu os pagamentos.
Desde 2022 até agosto deste ano, Salomão atuou como corregedor nacional de Justiça, responsável por apurar irregularidades, inspecionar e corrigir as atividades de magistrados no País. Em agosto, assumiu a vice-presidência do STJ.
A Constituição Federal impede os juízes de exercerem qualquer outra atividade além de julgar e dar aulas. Já a Lei Orgânica da Magistratura (Loman), herdada da ditadura militar (1964-1985), permite a juízes, desembargadores e ministros realizar atividades empresariais, desde que na condição de sócios cotistas.
Já realização de palestras por magistrados só é possível graças à flexibilização de normas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em 2016, sob a presidência do atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, equiparou a prática à atividade de professor – única permitida na Constituição aos ministros como “extra”, além dos seus postos nos tribunais.
Do STJ, os ministros Paulo Dias de Moura Ribeiro, Marco Buzzi, Reynaldo Fonseca e Antonio Saldanha Palheiro também atuaram no período apurado pela reportagem como palestrantes, recebendo, R$ 45 mil, R$ 40 mil, R$ 20 mil e R$ 15 mil, respectivamente.
Como mostrado pelo Estadão, Moura Ribeiro e Saldanha Palheiro foram convidados para palestrar por um político cujos casos eles relataram na Corte. Em ambos os casos, os cachês, de R$ 15 mil, foram pagos com dinheiro público e recebidos pelos magistrados por meio de suas empresas de palestra. Os dois magistrados possuem suas iniciais destacadas nas empresas: Instituto MR de Estudos Jurídicos, no caso de Moura Ribeiro, e ASP Treinamento e Desenvolvimento, de Antonio Saldanha Palheiro. Na Receita Federal, Moura Ribeiro figura como sócio-administrador de sua firma, o que é vedado pela Lei Orgânica da Magistratura.
Os outros ministros do STJ também têm suas próprias empresas. Marco Buzzi é sócio do Instituto de Mediação, Gestão e Administração, junto com familiares. Por meio dela, recebeu, por exemplo, R$ 10 mil por uma palestra para servidores da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, em outubro passado. Reynaldo Fonseca é dono da “SF Consultoria Acadêmica, Cursos e Eventos LTDA”, junto com familiares.
Moura Ribeiro é ministro do STJ desde 2013, Marco Buzzi desde 2011, Reynaldo Fonseca, 2015 e Saldanha Palheiro, 2016.
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Único representante do STF na lista, o ministro André Mendonça, que também integra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tem como rotina dar palestras em tribunais e em eventos empresariais privados desde que chegou à Corte, em dezembro de 2021. Mendonça recebeu R$ 50 mil por palestrar em um único evento em maio deste ano, sobre direito eleitoral, promovido pela Escola Judicial do Mato Grosso do Sul (Ejud-MS), órgão vinculado ao Tribunal de Justiça local. O ministro embolsou o valor por meio de sua própria empresa, a Integre Cursos e Pesquisas de Direito e Governança Global.
Mendonça foi indicado ao STF pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2021, apontado pelo chefe do executivo como um nome “terrivelmente evangélico”. Antes de assumir seu lugar na Corte, ele foi ministro da Justiça e advogado-geral da União.
Entre os outros nomes obtidos na apuração está o do ministro Rogério Favreto, do TRF-4, conhecido por ter concedido um alvará de soltura para Luiz Inácio Lula da Silva em 2018, quando Lula estava preso no âmbito da Operação Lava Jato. O alvará logo foi cassado pelo relator da Lava Jato no TRF-4 à época, Gebran Neto. Na lista apurada, Favreto foi o único que recebeu o pagamento por uma palestra de forma direta, sem intermediação de uma empresa.
Outro dos magistrados que recebeu por palestras é Douglas Alencar Rodrigues, do TST, que atua na magistratura do trabalho desde 1990 e tomou posse como ministro do TST em 2014. Ele é sócio da empresa Scientia Academy LTDA, que intermediou o pagamento pelos seus dois discursos.
Para completar o grupo, há o ministro Benjamin Zymler, do TCU. Ele está na lista dos professores da Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP), que mediou o pagamento pela sua palestra. Ele passou a fazer parte do Tribunal de Contas da União em 1992, como Analista de Finanças e Controle Externo, admitido por concurso público. Se tornou ministro do TCU em 2001.
A reportagem reuniu ao longo de três meses relatos de magistrados que confirmam a prática de cobrança de cachês e empresários que fizeram os pagamentos. Os comprovantes foram obtidos via Lei de Acesso à Informação e buscas em diários oficiais e portais de transparência. Os dados foram fornecidos por organizações e conselhos que pagaram as palestras e são obrigados a prestar algum tipo de esclarecimento público.