Ao fim de meu período no BC (Banco Central), recebi um vídeo simples, mas poderoso. Era de uma moradora de Tartarugalzinho, cidade de 15 mil habitantes no interior do Amapá. Ela relatava como o Pix transformou a vida da comunidade. Sem agência bancária, a economia local —antes sufocada pela distância e pela falta de serviços financeiros— voltava a florescer. O comércio inteiro da cidade já funcionava à base do Pix.
Esse não é um caso isolado. O Brasil vive, nos últimos anos, uma transformação profunda no sistema financeiro. A agenda de inovação do BC —estruturada sobre quatro pilares: Pix, internacionalização da moeda, open finance e Drex— desencadeou o maior movimento de inclusão financeira da nossa história.
A agenda foi desenhada em quatro dimensões: competição, inclusão, inovação e sustentabilidade.
Na competitividade, o objetivo era reduzir barreiras de entrada, estimular novos participantes e diminuir o custo do crédito. Indicadores de concentração bancária —como Lerner e Herfindahl-Hirschman— mostram queda consistente. A participação das maiores instituições (classificação S1 e S2) na carteira de crédito do SFN (Sistema Financeiro Nacional) caiu de 88%, em 2017, para 73%, em 2024. No cartão de crédito, a fatia das quatro maiores passou de 79%, em 2019, para 57%, em 2024. Essa desconcentração ajudou a reduzir o custo do crédito: comparando períodos com Selic semelhante, o spread bancário caiu ao menos 15%.
A inclusão sempre foi outro pilar. A tecnologia era vista como a ferramenta mais poderosa para democratizar o acesso. De 2019 a 2025, o número de clientes ativos no SFN mais que dobrou —de 81 milhões para 163 milhões. Entre pessoas jurídicas, o salto foi de 3,5 milhões para 13,7 milhões. É o maior ciclo de inclusão financeira da nossa história.
A inovação ganhou força. O open finance, ao permitir o compartilhamento consentido e seguro de dados, reduz assimetrias de informação, abre o mercado e coloca o cliente no centro do processo. Isso gera novos modelos de negócio e serviços personalizados. Segundo estudo do BC, foram desenvolvidos 139 casos de uso derivados do open finance apenas na segunda metade de 2024, e no último ano o uso da infraestrutura mais que dobrou. Várias funcionalidades do Pix dependem dessa conectividade.
A sustentabilidade tornou-se outro eixo relevante. Ela foi incorporada à agenda para ampliar o financiamento a empreendimentos verdes, modernizar o gerenciamento de riscos sociais, ambientais e climáticos e fortalecer o papel do SFN no desenvolvimento sustentável. O BC tem recebido prêmios —como o de Banco Central do Ano, em 2024— com menções a essa agenda e aparece no topo de rankings internacionais, como da SBFN/IFC.
Bancos e fintechs atuaram de forma complementar nessa revolução, mas as fintechs tiveram papel crucial. Elas foram catalisadoras da concorrência, da inovação e da expansão dos serviços financeiros. Desde 2018, cerca de 46 milhões de pessoas foram incorporadas ao sistema financeiro. O Nubank bancarizou 28 milhões delas até 2024. De 2022 a 2025, o crescimento das fintechs foi quase três vezes superior ao dos grandes bancos.
As fintechs também ampliaram o acesso a produtos. Hoje, 58% dos brasileiros afirmam ter acesso a serviços antes indisponíveis. Para pequenas empresas, tornaram-se fonte relevante de crédito. E superaram a barreira geográfica: quase metade dos municípios brasileiros não tem agência bancária, mas o modelo 100% digital eliminou a distância como obstáculo.
As fintechs também transformaram a concorrência, aumentando sua participação nos diversos segmentos. No cartão de crédito, representam cerca de um quarto do mercado. Só o Nubank permitiu que 28 milhões de brasileiros tivessem seu primeiro cartão.
Outro impacto decisivo foi a redução de custos e a melhora na experiência do usuário. Estudo do FMI mostra que a maior competição proporcionada pelas fintechs reduziu juros em 2,9 pontos percentuais. A satisfação dos clientes confirma isso: 64% aprovam os valores cobrados por essas instituições. No Reclame Aqui, as notas das fintechs são mais altas, em linha com modelos mais recentes e processos mais digitalizados.
Por fim, segurança. O debate recente sobre fraudes gerou percepções equivocadas. Os números mostram o contrário. O Pix é um dos sistemas mais seguros do mundo: são cerca de 7 fraudes a cada 100 mil operações. Nos cartões de crédito, são 30. No sistema equivalente do Reino Unido, o Faster Payments, são cerca de 100. Em operações de crédito, as irregularidades nos grandes bancos chegam a 3,1 por milhão de clientes; nas fintechs, a apenas 0,7.
A Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, identificou duas fintechs ligadas a operações financeiras do crime organizado, menos de 0,2% do universo de 1.728 fintechs do país, segundo a ABFintechs. Já entre fundos de investimento, ao menos 40 foram mencionados.
Estamos no limiar de uma transformação ainda maior: a migração para uma economia tokenizada. O próximo salto virá da convergência entre open finance, tokenização, programabilidade do dinheiro e inteligência artificial. Essa integração permitirá serviços mais rápidos e personalizados, uso contínuo de colaterais, pagamentos e investimentos automatizados e gestão de risco em tempo real. O resultado será um sistema financeiro mais competitivo, eficiente e inclusivo.
Bancos e fintechs terão papéis complementares nesse novo capítulo. A diversidade de modelos fortalece o sistema e amplia as alternativas para consumidores e empresas. Um mercado mais moderno, aberto e integrado reduz custos, expande oportunidades e melhora a vida de milhões de brasileiros.
Essa transformação não é apenas tecnológica —é social. Ela cria condições para um país mais dinâmico, produtivo e mais justo. É uma mudança que beneficia toda a sociedade, especialmente os mais pobres. O Brasil já mostrou que pode liderar essa jornada. É essencial garantir que esse avanço continue, com estabilidade para o sistema e segurança para os usuários.
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