Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem se tornado simultaneamente um grande desafio e uma aliada no cotidiano das pessoas. A crescente utilização da inteligência artificial no setor jurídico, especialmente na criação de contratos, levanta questões que merecem uma análise mais crítica.
Divulgação/CIAPJ-FGV
Ferramentas como o ChatGPT oferecem soluções práticas e ágeis, facilitando a elaboração de documentos legais e promovendo uma redução significativa de custos. No entanto, a automatização desses processos exige uma reflexão sobre os riscos envolvidos, pois, apesar da eficiência dessas ferramentas, elas possuem limitações importantes que podem comprometer a qualidade e a segurança jurídica dos contratos gerados.
Em primeiro lugar, a IA pode produzir contratos com base em modelos predefinidos ou templates, mas sua capacidade de se adaptar às necessidades do solicitante é restrita. Embora o processo seja mais rápido, a IA não consegue captar questões específicas de cada situação, o que pode resultar em cláusulas genéricas e inadequadas para as partes envolvidas. Esse fator pode levar a interpretações equivocadas e até mesmo à invalidação do contrato em caso de descumprimento.
Além disso, as ferramentas de IA podem não estar atualizadas com as mudanças legislativas ou regulamentações locais, o que aumenta o risco de incluir cláusulas desatualizadas ou em desacordo com as normas vigentes. Esse desajuste pode tornar o contrato inválido ou prejudicar uma das partes, comprometendo sua eficácia e segurança jurídica. Embora eficiente para processar grandes volumes de dados, a IA não tem a capacidade de avaliar essas particularidades com a precisão necessária, o que pode resultar em documentos com lacunas ou falhas.
Como por exemplo, uma empresa utiliza o ChatGPT para gerar um contrato de prestação de serviços, mas a ferramenta cria cláusulas padrões que não consideram as especificidades da relação entre as partes. Em uma cláusula relacionada ao horário de trabalho ou à subordinação do prestador de serviços, a IA pode incluir termos que indicam um controle excessivo sobre a forma como o serviço deve ser prestado, como horários fixos e a obrigação de cumprimento de regras internas da empresa.
Essas condições podem caracterizar a relação como um vínculo empregatício, quando o objetivo era manter a natureza autônoma do contrato de prestação de serviços. Isso ocorre porque, ao impor essas características típicas de um contrato de trabalho, como subordinação e pessoalidade, o contrato gerado pela IA pode levar a uma reclassificação legal do relacionamento, sujeitando a empresa a encargos trabalhistas.
Spacca
A ausência de uma análise crítica e da experiência de um advogado é outro ponto importante que, até mesmo, é pontuado pela IA. A tecnologia não possui a competência para interpretar as leis com a mesma profundidade que um profissional da área, e, portanto, pode não ser capaz de prever riscos legais ou identificar aspectos importantes do contrato.
Isso é particularmente problemático quando se trata de cláusulas essenciais, como aquelas relacionadas à resolução de disputas, multas por descumprimento ou a definição de prazos. Por isso, após a elaboração de qualquer contrato ou opinião jurídica, a própria plataforma do ChatGPT solicita que o usuário busque um profissional da advocacia especializado para que ele possa auxiliar na demanda da área competente.
Dados sensíveis
Outro desafio relevante refere-se à privacidade e à segurança dos dados. O uso de ferramentas automatizadas para a criação de contratos pode envolver o processamento de informações sensíveis. Nesse cenário, a proteção dessas informações é de grande importância, uma vez que as plataformas de IA podem não ter a proteção necessária para garantir a segurança dos dados, especialmente em conformidade com as leis de proteção de dados, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O vazamento ou mal uso de informações confidenciais pode gerar sérias implicações legais para as partes envolvidas.
Apesar dos avanços tecnológicos e das vantagens proporcionadas pela IA na automação de processos jurídicos, é fundamental que o trabalho de um advogado seja mantido como parte essencial do processo. A revisão dos contratos gerados por IA por um profissional qualificado é imprescindível para garantir a conformidade com a legislação vigente, a proteção dos direitos das partes e a segurança jurídica do documento.
A supervisão humana assegura que as cláusulas sejam ajustadas às necessidades específicas de cada contrato, prevenindo riscos e possíveis prejuízos financeiros e jurídicos. Portanto, a regulamentação e a ética no uso da IA também são questões centrais. Para que essa tecnologia seja utilizada de forma responsável, é necessário estabelecer diretrizes claras, que assegurem a proteção dos direitos individuais e coletivos, conforme exigido pela LGPD, além de garantir que a automação não prejudique a qualidade do serviço jurídico prestado.