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A esta altura, não pensa em dar uma desacelerada? Na verdade, não. Vou engatando uma coisa na outra sem pensar na agenda da semana que vem. Gosto de acompanhar as novidades e fico fascinado pela meninada. Por isso, não paro de criar. Sobre a idade, um detalhe curioso: girando o número 88, são dois símbolos de infinito. Esse é o meu espírito.
O senhor acaba de voltar de mais uma turnê no Japão. A música brasileira agrada ouvidos no Oriente? Você ouve muito chorinho, bossa nova, samba e pagode por lá. Os japoneses têm uma relação interessante com a nossa música: gostam de ouvir os arranjos mesmo sem entender nada da letra.
De onde veio a ideia de produzir um álbum com canções menos badaladas da bossa nova? Quando a bossa surgiu, no começo dos anos 1960, já havia muita gente boa antes fazendo músicas que dariam naquilo, como o Johnny Alf, que era mais quieto. Um dia fui a um show dele e tomei um susto: lá estavam Tom Jobim e Carlos Lyra, escutando com atenção. Quis dar voz a essas figuras que fazem parte da nossa história musical.
O que o marcou naqueles primeiros encontros que deram origem à bossa nova? A gente não tinha noção de que estava fazendo algo novo. Íamos para a casa da Nara Leão, em Copacabana, porque ela tinha 16 anos, e os pais não a deixavam sair. Virou meio um clube, com a porta sempre aberta. Aliás, era um hábito no Rio daquela época. Foi ali que João Gilberto mudou tudo. A forma dele de tocar violão transformou a cabeça da gente.
Em que medida? Em resumo, tiramos a gravata da música e deixamos o sol entrar na canção.
Por que foi tão rápida a saída de Roberto Carlos do grupo? Quando Roberto cantava bossa, ficava parecido demais com o João Gilberto. Era um problema. Aí nos criticavam: “Vocês trazem um cara para cantar igual ao João?”. Não era que Roberto tentasse imitar, não, mas não dava. Conversamos, e ele falou: “Bicho, é a minha voz, não forço nada”. Foi embora muito triste e logo estourou na Jovem Guarda. Hoje somos amigos.
Como vê o futuro da música com o avanço da inteligência artificial (IA)? Em talvez três anos, veremos uma transformação tão grande quanto a que ocorreu de um milênio para cá. Fizeram um levantamento surpreendente: são lançadas mundialmente por dia cerca de 500 000 músicas. A metade é de IA. Daqui a bem pouco haverá uma ultrapassagem.
Isso o assusta? Até algum tempo atrás, a gente escutava uma música e já sabia que tinha inteligência artificial ali. Agora, não mais. Ouço coisas que são até melhores que as do Jobim. Rapaz, não dá para a gente fazer igual. É inexplicável e, sim, assustador.
Publicado em VEJA de 12 de dezembro de 2025, edição nº 2974

