Silvio Almeida estilhaça a vitrine do governo

Primeiro de janeiro de 2023. A foto-pôster de Lula 3 com seu megaministério recém-empossado (37 pessoas) é histórica, não só pela diversidade racial, étnica e geracional que emana. Todos estão sorridentes, descontraídos, como se o futuro tivesse chegado ao país. A inédita profusão de mulheres daquele primeiro escalão original (11) apontava, para além de seu colorido, um esperançoso patamar de conquistas por vir. Silvio Almeida fora posicionado na primeira fila à direita do presidente, dele separado apenas pelas ministras Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Cida Gonçalves (Mulheres). Anielle Franco também fora colocada na primeira fila, mais perto ainda do mandatário — tinha apenas o vice Geraldo Alckmin a separá-los. Quanta ironia, à luz da hecatombe da semana passada.

Fosse de vidro a foto oficial, ela estilhaçou-se. E não tem reparo. As denúncias de assédio moral e sexual contra o ministro Silvio Almeida — reveladas por Guilherme Amado no site Metrópoles com base em acusações recebidas pela entidade Me Too Brasil — abalam vidas, carreiras e o próprio governo. A desolação é infinita no país esperançoso de 2023. O fato de Anielle Franco, a titular da pasta da Igualdade Racial, ser uma das assediadas pelo colega da pasta dos Direitos Humanos apenas tornou o caso mais radioativo em Brasília.

Igualdade Racial e Direitos Humanos são duas vitrines do governo inicial de Lula que merecem ser celebradas por todos os brasileiros. Ainda engatinhavam entre projetos e promessas quando explodiu a acusação contra o ministro, um intelectual de larga projeção internacional. A insustentável gravidade do caso exigia uma decisão rápida por parte do presidente — era preciso estancar a fórceps a sangria política em curso. Convocado ao gabinete presidencial no início da noite de sexta-feira, Silvio Almeida viu-se emparedado. A opção do afastamento já não estava mais na mesa, restando-lhe a opção de demissão voluntária, que declinou. Foi então exonerado, sem prejuízo das múltiplas investigações em curso nem de seu amplo direito à defesa.

(Nada a ver, mas tudo a ver: o prontuário policial do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa continua de pé. E ele no cargo.

— Nós vamos sempre primar pela presunção da inocência, até porque a gente já viu muita gente ser injustamente condenada publicamente, depois ser visto que não tinha qualquer responsabilidade sobre aquele fato — justificou em junho o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.)

A primeira nota de repúdio emitida por Silvio Almeida, ainda na noite da quinta-feira, gerara mal-estar. Talvez por açodados, conteúdo e forma da nota não faziam jus ao notório preparo do magistrado e seu zelo pela palavra. Citar “a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha filha amada de 1 ano de idade” foi constrangedor e pouco original. Afirmar haver “uma campanha para afetar a minha imagem enquanto homem negro em posição de destaque no poder público” pareceu particularmente equivocado considerando que Anielle Franco também é negra.

Apesar da rápida exoneração do ministro, o caso por inteiro parece estar só começando. Intrigas políticas intestinas com protagonistas de peso tendem a vir à tona. Do nada, uma professora e candidata a vereadora em Santo André (SP) pelo PSB, Isabel Rodrigues, pipocou no Instagram narrando na primeira pessoa, com nome, sobrenome, rosto, data e local estampados, um episódio de violência sexual que afirmou ter sofrido por parte de Silvio Almeida em 2019. Talvez algumas das denunciantes amparadas pelo Me Too Brasil aceitem abrir mão do anonimato protetor. Está tudo em aberto. Convém lembrarmos, contudo, que cobrar exposição pública de vítimas de assédio equivale a aceitar a violência cometida.

Julgamentos prematuros, insuflados ou espontâneos, haverão de se multiplicar. Até por ser mais fácil aplicar métricas simples a casos fluidos. Num trecho de sua nota de repúdio às acusações, Silvio Almeida tem razão:

— Com isso, perde o Brasil, perde a pauta de direitos humanos, perde a igualdade racial e perde o povo brasileiro.

Mas talvez avance o combate ao assédio, ao abuso e à violência sexual contra as mulheres no Brasil.

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