O debate sobre inteligência artificial (IA) deixou de ser apenas técnico ou ético. Está rapidamente se tornando um dilema existencial. A previsão de que, em menos de uma década, sistemas de IA poderão ultrapassar toda a capacidade cognitiva humana combinada não é mais vista como ficção científica, mas como uma possibilidade real e iminente.
A projeção, feita por Eric Schmidt, ex-CEO da Google, durante o Aspen Ideas Festival, vem ganhando eco entre especialistas como o sociólogo e estrategista Marcelo Senise, presidente do IRIA (Instituto Brasileiro para a Regulação da Inteligência Artificial).
“Schmidt foi claro ao afirmar que a IA poderá evoluir sozinha e que, em breve, sequer teremos linguagem para descrever o que enfrentamos. Isso exige atenção imediata da sociedade, dos governos e da humanidade como um todo”, alerta Senise.
Enquanto a IA avança de forma exponencial, a reação institucional ainda é tímida e burocrática. “Estamos discutindo regulação com PowerPoint, enquanto algoritmos já decidem quem recebe crédito, quem aparece em pesquisas eleitorais, quem tem acesso à saúde ou à informação. E tudo isso com uma autonomia crescente”, observa o presidente do IRIA.
Segundo Senise, a sociedade ainda trata a IA como se fosse uma ferramenta sofisticada, um assistente que escreve e-mails, sugere séries ou resume textos.
“Esse talvez seja o maior truque da máquina: nos convencer de que ela ainda é apenas um suporte. Mas o que está emergindo é uma nova ordem de inteligência, capaz de reprogramar a si mesma, entender padrões que nem percebemos e agir em velocidade e escala inatingíveis para qualquer ser humano.”
A grande questão agora, para Senise, não é mais “como usar a IA”, mas “quem a controlará e com que propósito”. Ele alerta que a ausência de governança pode levar a um cenário onde decisões fundamentais para a sociedade serão tomadas por sistemas que não dormem, não hesitam, não duvidam e que não têm empatia.
“O desconforto é esse: não sabemos mais se estamos criando ou sendo criados. Se seremos programadores ou apenas linhas de código num plano mais amplo, executado por uma entidade artificial que não se importa com o que compreendemos”, destaca.
Pacto
O especialista defende a construção urgente de um pacto global envolvendo nações, empresas, universidades e sociedade civil, que defina os princípios éticos, limites operacionais e responsabilidades inegociáveis da inteligência artificial. “A IA vai nos ultrapassar, mas ainda temos a chance de decidir se seremos substituídos ou complementados. Isso depende das decisões que tomarmos agora.”
Senise conclui com uma provocação: “Talvez este seja o último momento em que ainda podemos escolher. Programar o futuro ou sermos programados por ele. Ser os autores da nossa continuidade ou personagens dispensáveis de um script mais eficiente.”
Enquanto isso, o relógio segue correndo. E, desta vez, não fomos nós que o construímos.