Era tarde da noite e o gerente de produto Luciano Gadelha, de 26 anos, não conseguia dormir. Bastante ansioso, buscou uma ajuda nada convencional: o aplicativo americano de saúde mental Sônia, criado com o auxílio da inteligência artificial. Era a melhor terapeuta disponível naquela hora. “Sou entusiasta das novidades em tecnologia. Fiz a sessão de mente aberta e me surpreendi. Foram 30 minutos de conversa em inglês, e saí melhor do que entrei”, define ele. Até agora, Luciano realizou quatro atendimentos e crê que, entre cinco e dez anos, recursos parecidos estarão disponíveis no Brasil.
“As orientações do chatbot (programa que simula uma conversa humana) me ajudaram muito. Mas não acho que os humanos serão substituídos.” Para usar o programa, o gerente de produto preencheu alguns dados: nome, ano de nascimento e o foco a ser trabalhado, como ansiedade, depressão ou vícios. Ainda é possível escolher se o terapeuta será homem ou mulher. O atendimento é feito em tempo real, por áudio ou texto.
A novidade causa espanto, mas já é realidade em países da Europa e nos Estados Unidos. Um estudo conduzido em 2022 pela Universidade de Stony Brook, em Nova York, com 1.200 usuários do aplicativo Wysa, um dos muitos apps voltados para atendimento psicológico com IA, descobriu que a “conexão terapêutica” entre bot e paciente se desenvolveu em apenas cinco dias. Os atendimentos custam menos do que as terapias convencionais, e o “profissional” está disponível 24 horas.
Apesar dos pontos positivos, a pós-doutora em psicologia pela UFRGS Ana Carolina Peuker, criadora do aplicativo de saúde mental Bee Touch, diz que há preocupação com a segurança dos dados, que deveriam ser protegidos contra violações de privacidade, e o aumento exponencial de autodiagnósticos incorretos difundidos nas redes sociais. “Plataformas como o TikTok dão informações de forma simplificada e superficial. A IA ajuda a identificar padrões, sintomas, fornece orientações gerais, mas confiar apenas nestes sistemas pode levar a diagnósticos imprecisos e a tratamentos inadequados”, reforça a profissional.
A empatia e a subjetividade, fatores intrinsecamente humanos e essenciais ao processo terapêutico, também se perdem. “Acho que a inteligência artificial é treinada para dizer o que desejamos. Para sermos empáticos, é preciso contato social com outras pessoas. O uso excessivo de telas nos tira isso”, opina a psicóloga Taís Barreto.
Criador do aplicativo de saúde mental Cíngulo, o psiquiatra e neurocientista Diogo Lara vê a tecnologia como agregadora ao processo e, em breve, deve incluir atendimentos em tempo real. Por lá, o usuário responde a 36 perguntas, e o algoritmo cria sessões personalizadas que, segundo Lara, bebem em mais de “30 escolas” da área. No pacote, há áudios e textos divididos em trilhas de autoconhecimento. “Não existe risco de substituição dos seres humanos, mas o mercado vai mudar. A ideia é que o atendimento psicológico seja mais amplo”, reforça.
A engenheira química Giovana Rabelo, de 27 anos, escolheu o Cíngulo há quatro anos, e criou uma rotina para cumprir os atendimento. “Gostei da estrutura, a narrativa por trás das sessões e sua profundidade. Com um dia a dia corrido, é o que funciona. As sessões trazem sacadas importantes e descansam minha mente”, diz.
Ciente dos avanços, Rodrigo Acioli Moura, do Conselho Federal de Psicologia, diz que a tecnologia e a IA são bem-vindas, mas paira a dúvida: quem se responsabilizará em casos de diagnósticos errados? “E como garantir que o retorno do que está sendo dito ao paciente, muitas vezes em situação delicada, é o melhor para ele?”, questiona. Respostas que os seres humanos precisarão encontra