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uma onda em nossas praias

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Um grande debate nos círculos financeiros internacionais no começo do ano passado era se a inflação americana cairia mais e sem uma recessão. À época, notamos que a tendência da inflação era, sim, de queda, apoiada também pela contração do déficit primário do governo federal americano, e que o Fed não cortava os juros mais cedo porque os manter altos era uma “opção” barata (Valor, 24 de Abril). Mantê-los assim consolidava a convergência da inflação e se houvesse uma surpresa negativa no emprego o Fed poderia exercer sem grande custo a opção de cortá-los rapidamente para dar apoio à economia, cumprindo seu duplo mandato.

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A convicção da tendência de queda da inflação vinha de quatro fatores do lado da oferta que vinham facilitando o trabalho do Fed. Esses fatores podem ser chamados de choques porque não eram esperados no final da pandemia, apesar de já terem se tornado evidentes em 2023, não justificando o temor de alguns no segundo semestre de 2024 de que o Fed precisaria apertar os juros, talvez por conta de ruídos estatísticos do começo de 2024 (preço do aluguel imputado, etc.). Não obstante, esses temores incitaram a deterioração do câmbio no Brasil.

O primeiro choque de oferta favorável a listar foi a imigração nos EUA se mostrar muito maior do que se previa e do que fora antes da pandemia. O número de pessoas liberadas para ficarem nos EUA após entrarem sem documentação disparou, passando de 50-150 mil no pré pandemia para 1-1,5 milhão em 2022-23.

Até recentemente, os trabalhadores estrangeiros responderam pela maior parte da expansão do emprego nos EUA, fazendo com que as vagas abertas que assustavam pelo seu número em 2021 fossem sendo paulatinamente preenchidas.

O segundo choque foi que, ainda ao contrário do que se previa, a produção de petróleo nos EUA não caiu na esteira da consolidação da indústria do “shale”, mas
continuou batendo recordes. A combinação de mão de obra e energia abundantes e baratas é uma fórmula eficaz para menos inflação sem recessão.

A fraca demanda doméstica na China foi o terceiro choque, com o aumento de oferta de bens industriais baratos nos EUA e moderação no preço das commodities.
E, a partir dos finais de 2022, houve o choque da AI, que sustentou os níveis de investimento das empresas americanas, enquanto relaxava a pressão sobre o emprego, ao aumentar a produtividade do trabalho.

Esses quatro fatores ajudaram bastante o Fed, assim como a confiança dos mercados no seu compromisso com a queda da inflação e nos princípios econômicos a informar suas decisões, apesar de eventuais titubeadas na segunda parte da covid. O que é interessante nesse relato de onde estávamos há um ano é avaliar o que permanece e as implicações para a inflação e PIB americanos à frente.

Evidentemente o mercado de trabalho americano está em uma nova fase, ainda não muito refletida nas estatísticas, afora que recentemente o emprego de imigrantes
esteja crescendo menos do que o de nativos. Já há evidência circunstancial da volta de prestadores de serviços domésticos, inclusive de reparos, para seus países de
origem. O objetivo do governo de manter o preço do petróleo abaixo de US$ 60 por barril pode ajudar na inflação, ainda que diminuindo o crescimento, se sobreviver a um eventual distúrbio na produção global, que tenderia a ser inflacionário.

A introdução de tarifas de importação, mesmo de 10%, trará inflação e retração na produção ainda que temporárias.

A reversão ou o enfraquecimento de três dos quatro fatores desinflacionários pode não justificar corte imediato dos juros, como tem sinalizado o Fed. Até porque seu
efeito depressivo no PIB pode ser contraposto pela expansão fiscal aparentemente contratada pelo orçamento ora em discussão, ainda que o Senado corte mais
benefícios sociais.

A desinflação sem recessão teria passado a depender basicamente da continuação da revolução tecnológica e dos benefícios da inteligência artificial. Há quem preveja, como Nouriel Roubini, que isso permita aos EUA crescerem 4% ao ano, mesmo que haja uma breve recessão até a economia se acomodar às mudanças de política ocorridas em 2025. A convicção nesse cenário sustentaria o preço dos ativos americanos e reduziria os riscos fiscais dos EUA.

O progresso técnico tem sido o motor da economia mundial nos últimos 300 anos, com o auxílio da livre iniciativa e regras, inclusive fiscais, como a subordinação dos
soberanos a parlamentos, que diminuam o custo de capital. Mas, há espaço para cautela em achar que ele agora tudo resolve, independente do quadro econômico e
jurídico. Como sustenta o economista britânico Adair Turner, a automação da produção industrial não garante aumento da produtividade total da economia ou do
bem estar social, podendo se traduzir em empregos pouco produtivos e frustrantes no setor de serviços, se não houver uma reorganização da sociedade que
distribua os ganhos de produtividade e crie alternativas para os trabalhadores deslocados.

Outro economista radicado no Reino Unido observava já no século XIX que ela pode resultar numa crise de falta de demanda. Aliás, a emigração europeia, o aumento da produtividade na agricultura e certo igualitarismo nos EUA foram importantes para acomodar os impactos da Revolução Industrial, que até meados do século XIX foi acompanhada de queda nos salários e ociosidade.

A inteligência artificial vai além da produção industrial, podendo resolver o problema energético ao acelerar o domínio da fusão nuclear controlada e alcançando grande gama de serviços, incluindo na saúde e outras ciências, e mesmo nas artes, mas não prescinde de uma reorganização da economia para concretizar seus benefícios potenciais.

Essa onda que vem de fora exigirá resposta do Brasil, inclusive com respeito ao aproveitamento das vantagens ora percebidas na energia e sustentabilidade, e um
ordenamento econômico que baixe o custo de capital, porque a transição até a grande automação exigirá bastante investimento e iniciativa.

  • Publicado originalmente no Valor Econômico.

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