Uso de IA como instrumento de prevenção à lavagem com criptoativos


Lavagem & Afins

Apesar de a inteligência artificial já ser objeto de estudo desde a década de 1950, o assunto teve enorme tração a partir do final de 2022, com o lançamento de softwares de IA generativa pela empresa Open AI, ilustrado na figura de seu exemplo mais popular, o ChatGPT.

É possível afirmar que a inteligência artificial consiste em um sofisticado sistema de aprendizado computacional que viabiliza a execução de inúmeras tarefas que normalmente requiririam inteligência humana. Trata-se de funcionalidades que compreendem desde a elaboração de textos, imagens e vídeos — desenvolvidas pelas ferramentas da Open AI — até a criação de avançados softwares de análise e processamento de dados de qualquer natureza [1].

Há inúmeras questões atuais de Direito Penal que deverão constar no radar dos operadores nos próximos anos, tal como a influência da IA nas provas penais — basta olhar a manipulação da realidade permitida por mecanismos de deep fake — ou a instrumentalização da IA pela cibercriminalidade — possibilitada por protocolos como Fraud GPT e Worm GPT [2].

Antídoto

Contudo, se a IA vem suscitando debates acerca do seu potencial uso em práticas criminosas, a realidade é que ela também se apresenta, ao mesmo tempo, como o próprio antídoto de combate à criminalidade digital.

Dentre os diversos usos positivos da ferramenta digital, nesse artigo pretendemos explorar, em linhas iniciais, como a Inteligência Artificial pode ser utilizada como importante aliada para detecção de operações de lavagem de dinheiro praticadas com criptoativos, haja vista as características presentes na tecnologia que lhe dá substrato, a blockchain.

Resumidamente, é possível afirmar que a blockchain consiste em grande banco de dados público [3], descentralizado e imutável, compartilhado simultaneamente com os usuários conectados ao protocolo, responsáveis pelo monitoramento e validação de todas as operações financeiras que fluem através da rede, prescindindo da presença de qualquer autoridade central.

É justamente a publicidade da blockchain que garante o terreno fértil para aplicação de ferramentas de Inteligência Artificial em matéria de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (PLD/FT), em razão da alta capacidade de processamento e interpretação de dados inerente à tecnologia.

Sua ampla aplicabilidade em políticas de PLD/FT decorre dos dois subcampos da Inteligência Artificial, conhecidos pela ciência da computação como machine learning (ML) e deep learning (DL).

Em linguagem simplificada, a machine learning consiste em subcampo que permite aos computadores aprenderem e melhorarem a partir da experiência sem que sejam explicitamente programados. Em vez de serem programados para mera execução de tarefas, os sistemas de ML são capazes de identificar e segmentar padrões a partir de vasto conjunto de informações.

Dessa forma, ao absorverem e aprenderem a partir de todas as transações já registradas em blockchain, as técnicas de machine learning permitem a pronta identificação de movimentações suspeitas, auxiliando na detecção precoce de atividades de lavagem de dinheiro.

Já o deep learning consiste em neurais artificiais, composta por algoritmos programados para emular o funcionamento do cérebro humano, permitindo desenvolvimento de modelo sofisticados de aprendizado a partir de dados profundos (daí a expressão “deep learning”). Essas redes neurais são capazes de desenvolver análises minuciosas a partir de dados complexos, nem sempre lineares ou previsíveis, permitindo o constante aprendizado e adaptação às novas estratégias de lavagem de dinheiro.

Eficácia

Recentemente, a eficácia da IA no monitoramento de transações em blockchain foi testada em pesquisa publicada pelo Elliptic em conjunto com pesquisadores do MIT IBM Watson Lab [4]. A partir de banco de dados de 200 milhões de operações com bitcoin, foi desenvolvido um modelo de aprendizado de máquina treinado para identificar “subgráficos”, ou seja, cadeias de transações que representam lavagem com bitcoins, o que permitiu a identificação de padrões desviantes gerais, para além da análise individual de carteiras suspeitas ou atos ilícitos praticados por agentes específicos.

Segundo o artigo, tais padrões gerais criados por IA possibilitaram a realização de análises preditivas a partir de dados que ainda não haviam sido sequer rotulados como atividades suspeitas, e que potencialmente jamais seriam identificados por metodologias padrões.

Aplicada ao grande banco de dados públicos disponíveis na blockchain, portanto, a IA revela-se como poderoso instrumento capaz de detectar movimentações suspeitas, reduzir os índices de “falsos positivos” e até mesmo prever novas operações potencialmente criminosas, por meio de algoritmos programados para responder em tempo real às mais novas e sofisticadas técnicas criminosas.

Se bem exploradas, a IA representará verdadeira virada de chave nas campanhas de PLD/FT voltadas às operações com criptoativos, na medida em a tecnologia permitirá aos órgãos de persecução estatal e provedores de serviços de ativos virtuais (Vasps) se anteciparem às ameaças emergentes no cenário dos criptoativos.

Defrontados com a face ubíqua da tecnologia, vemos assim uma ferramenta capaz de grandes feitos e grandes perigos: ao mesmo tempo em que pode ser usada fins ilícitos, é também uma poderosa aliada no combate à criminalidade virtual.

A resposta a essa equação será revelada nos próximos anos, a partir das escolhas do presente que devem ser tomadas para garantir que a IA figure como força positiva na luta contra a lavagem de dinheiro.

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[1] Em razão do potencial disruptivo da tecnologia, já é possível observar um imenso movimento regulatório dos países com objetivo de estabelecer limites éticos e legais ao uso responsável da tecnologia. Na União Europeia, a tecnologia foi regulamentada pelo “AI Act”, enquanto, no cenário nacional, a discussão está sendo travada no atual Projeto de Lei 2.338/2023, proposta pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco.

[2] Fraud GPT e Worm GPT são softwares disponíveis na deepweb que permitem aos seus usuários obter orientações para prática de crimes digitais diversos: https://leitor.jornaleconomico.pt/noticia/fraudgpt-e-worm-gpt-representam-salto-quantico-no-cibercrime

[3] Há, contudo, criptomoedas cuja blockchain é privada. Nesses modelos, há barreira de ingresso de pessoas ao protocolo, geralmente realizada por uma autoridade fiscalizadora central.

[4] The Shape of Money Laundering: Subgraph Representation Learning on the Blockchain with the Elliptic2 Dataset. Disponível em: https://arxiv.org/pdf/2404.19109. Acesso em 2/8/2024.



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