Esse foi o tema da reunião, ontem, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com representantes de Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (da Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Postalis (Correios).
As entidades interessam ao governo, principalmente com poucos recursos no orçamento para tocar grandes obras, por que concentram um patrimônio bilionário disponível para investimentos, cujo objetivo principal deve ser maximizar retornos para pagar as futuras apoesentadorias de seus participantes, funcionários das estatais.
Juntos, Previ, Petros, Funcef e Postalis somam mais de meio trilhão de reais em recursos totais, mais precisamente R$ 507,6 bilhões segundo dados das próprias fundações de previdência em dezembro do ano passado. Só a Previ fechou 2023 com um patrimônio de R$ 272,1 bilhões, e a Petros, com R$ 117,4 bilhões investidos.
Está em discussão no governo mudar a política de investimentos desses fundos, que se tornou mais rigorosa após experiências malsucedidas em gestões petistas anteriores, com prejuízos bilionários. O governo influencia indiretamente essas instituições por meio das estatais, que patrocinam os fundos e arcam com parte dos recursos para a aposentadoria de seus funcionários.
Uma proposta de resolução do órgão regulador do setor, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), à qual O GLOBO teve acesso, prevê a inclusão de debêntures de infraestrutura entre os tipos de aplicação que podem ser feitos pelos fundos. Também fazem parte do cardápio de investimentos papéis do setor ambiental, como crédito de descarbonização e Fiagro (fundo de investimento do agronegócio).
Atualmente, os fundos de pensão não podem investir em imóveis — e têm de se desfazer de ativos desse tipo até dezembro de 2030. Eles também não têm autorização para investir no Fiagro, adquirir debêntures incentivadas de infraestrutura ou créditos de carbono — exatamente o que o governo busca agora.
Segundo interlocutores, na reunião Lula recomendou aos representantes dos fundos de pensão “investirem na economia real” e citou o PAC. Durante a conversa, os presidentes das entidades sugeriram a criação de garantia mínima, a ser oferecida pelo BNDES, para os projetos que não forem rentáveis.
Eles pediram também a revisão do decreto 4.942/2003, que pune dirigentes dos fundos por erros na gestão dos recursos, com inabilitação entre dois anos e dez anos e multa entre R$ 2 mil e R$ 1 milhão. O argumento deles é que existe um processo agressivo de criminalização do setor.
As regras de governança dos fundos de pensão foram apertadas depois de, nas gestões passadas do PT, investimentos nos projetos do governo terem terminado em várias CPIs, uma operação da PF e sucessivos déficits financeiros, que durante anos terão de ser cobertos por anos pelos participantes (ativos e aposentados). Entre os grandes fundos, somente a Previ não teve prejuízo.
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Em 2016, a Operação Greenfield, da PF, apontou perdas de ao menos R$ 8 bilhões com irregularidades em fundos de pensão. A operação foi encerrada em 2020 sem conclusão, após denúncias de abuso de autoridade, mas gerou 180 ações atualmente em curso na Justiça Federal de Brasília.
No caso do Postalis, por exemplo, o rombo chegou a R$ 15 bilhões — uma dívida a ser paga pelos Correios e trabalhadores nos próximos 30 anos. O plano de equacionamento, exigido pela legislação em caso de déficit, foi assinado em janeiro.
Diretores de investimentos dos fundos de pensão ouvidos pelo GLOBO não veem problemas nas mudanças propostas. Eles argumentam que é preciso buscar opções de investimento para honrar os compromissos com aposentadorias, sobretudo nos planos mais novos, para quem vai se aposentar daqui a 30 anos. Representantes dos funcionários participantes não têm o mesmo entusiasmo.
Já o professor do Insper Sérgio Lazzarini, estudioso da relação entre empresas e o Estado, afirma que o problema não é o tipo de investimento, mas o fato de o governo querer comandar esse processo, o que seria uma intervenção.
— O problema é o governo intervir para fazer isso. São projetos pouco rentáveis e que minam a saúde financeira de fundos que têm outro propósito. É um ponto de alerta. Em tese, o governo não pode fazer isso.
Fonte próxima aos fundos de pensão de estatais destaca outro complicador para o plano funcionar como pretende o governo. É que essas instituições passaram a contar com uma governança estruturada, após o acúmulo de perdas acumuladas em gestões passadas do PT, com o objetivo de sanear o déficit atuarial e prevenir novas irregularidades na gestão de ativos e investimentos. Segundo essa fonte, “não tem lógica voltar atrás.”
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Lazzarini, no entanto, frisa que os recursos dos fundos de pensão de estatais, ainda que sejam em parte patrocinados por empresas controladas pelo governo, são direcionados a empregados, aposentados e pensionistas:
— Já é discutível que um governo possa interferir diretamente em uma estatal. Que dirá querer intervir diretamente num fundo de pensão, que é estruturado para o benefício dos funcionários.
Os responsáveis pelos investimentos de Previ e Funcef defendem a revogação da norma que proíbe aplicar em imóveis físicos. Segundo o diretor de Investimentos da Previ, Claudio Antonio Gonçalves, a carteira de imóveis da entidade soma R$ 13 bilhões e é rentável. Desfazer-se de todos até 2030 seria um problema, afirma.
Gonçalves diz ainda que não vê problema investir em projetos do governo, desde que eles “parem de pé” e deem retorno:
— Pagamos R$ 1,6 bilhão em aposentadorias todo mês e não temos déficit.
Segundo o diretor de Investimentos da Funcef, Luiz Gustavo Portela, é preciso ter em mente um cenário de queda de juros e pensar em alternativas para diversificar o portfólio dos planos mais novos:
— A gente precisa criar estratégias para diversificar as aplicações. Já no caso de planos maduros, é preciso ser mesmo mais conservador.
Para o presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), Marcel Barros, as entidades tiveram seus processos de governança melhorados nos últimos anos:
— Não vemos com preocupação os investimentos dos fundos na economia real. Mas precisamos de uma garantia mínima.
Já o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Jarbas Biagi, considera que a revisão das regras é um processo normal. Ele confirmou que a entidade está discutindo com o governo mudanças na política de investimento dos fundos de pensão.
Empregados de estatais querem cautela
O presidente da Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb), Augusto Carvalho, afirmou que nem o presidente Lula, nem o presidente da Previ, João Fukunaga, têm chances de impor projeto e passar por cima das regras de compliance, boas práticas de gestão, do fundo de pensão.
Ele citou auditorias internas e externas, análise de risco e participação de dirigentes eleitos pelos participantes da gestão da entidade.
Segundo Carvalho, é preciso revisar as regras de investimetos com cautela porque os juros no Brasil ainda estão em patamares muito altos e que as abertura para novos investimentos são recomendadas para períodos de taxas mais baixas. Contudo, ele disse não ver problema em investir no PAC.
— Se o projeto for bom, por que não? Por que não investir em imóveis se é um negócio vantajoso? — indagou.
Com a mudança pretendida pelo governo, os fundos poderiam voltar a investir em imóveis no limite de até 8% de seus recursos, inclusive na compra e manutenção da sede da própria entidade. E não teriam mais de se desfazer deles até 2030. Por outro lado, a proposta veda investimentos mais arriscados, como criptomoedas, direta ou indiretamente.
Para evitar repetir os problemas do passado, que resultaram em CPIs no Congresso, operação da Polícia Federal e fortes perdas para os trabalhadores, a Previc sugere medidas para apertar os Fundos de Investimentos em Participação (FIPs), utilizados pelos fundos de pensão.
Uma delas é cortar o limite de alocação de 15% para 10%. Outra é reduzir o limite de diversificação de 25% por entidade (atualmente máximo de 100% para quatro entidades) para 40% do total de investimentos de todas as instituições em FIPs.
Segundo a Previc, 66% das reservas previdenciárias, que somam R$ 1,3 trilhão de um conjunto de 272 entidades, são geridas por 3.602 fundos de investimento.
O órgão regulador propõe ainda diferenciação entres os integrantes dos comitês de investimento com poder de decisão daqueles que podem apenas opinar, a fim de dar maior segurança jurídica na individualização das condutas dos dirigentes dos fundos de pensão.
A proposta de mudanças nas regras dos investimentos dos fundos de pensão foi encaminhada pela Previc ao Ministério da Fazenda e precisa ser submetida ao Conselho Monetário Nacional (CMN). O texto sugere revisar uma resolução do CMN, aprovada em dezembro de 2022.
O assunto parou na Secretaria de Reformas Econômicas da Fazenda, que apontou a necessidade de fazer primeiro uma mudança significativa dos fundos de previdência estatais, com a contabilização não apenas dos ativos, mas também dos passivos, a valores de mercado. Esse método determina o volume diário dos valores, independentemente das variações típicas de mercado.
Técnicos do governo envolvidos contestam, sob o argumento de que essa medida poderia ser tratada posteriormente pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPS), responsável por definir as diretrizes para o setor. Ou seja, não seria uma competência do CMN.
De acordo com ofício da Previc obtido pelo GLOBO, a proibição dos investimentos pelos fundos de pensão em debêntures de infraestrutura dificulta “a formação de funding necessário para execução do referido programa de investimentos do governo federal (Novo PAC).” A legislação atual concede benefício fiscal para esse tipo de papel, emitido por 17 setores, com exceção do ramo de petróleo.
A Previc argumenta ainda que as medidas estão contempladas no programa do atual governo, “visando cumprir os compromissos e as metas em favor da sociedade, do desenvolvimento do país e da expansão do setor de previdência complementar fechado, mantendo a higidez das reservas previdenciárias e a proteção às famílias.”