Com mais duas viagens em jatinhos da FAB em julho, já são seis os deslocamentos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acompanhado da esposa, Ana Estela, entre Brasília e São Paulo. Virou rotina. A mordomia foi revelada depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a divulgação da lista de passageiros dos voos da Força Aérea Brasileira (FAB). Mas algumas autoridades foram privilegiadas e mantêm esse sigilo.
Os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Roberto Barroso; da Câmara, Arthur Lira; do Senado, Rodrigo Pacheco; e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski; mais um misterioso passageiro; fizeram em dois meses 105 viagens sem divulgar a lista de quem os acompanhou. O passageiro que voa em jatinhos “à disposição do Ministério da Justiça” fez 12 voos de ida e volta a São Paulo – sendo 11 deles como único passageiro. Os ministros “mortais” divulgam as listas de passageiros.
O ministro Haddad também experimentou o “Uber” aéreo oficial. No dia 19 de maio, um domingo, ele voou de Brasília para São Paulo num jatinho da FAB acompanhado apenas da esposa, Ana Estela Haddad. No retorno para Brasília, na manhã de segunda, havia 11 passageiros, incluído a esposa.
Os dois últimos voos de Haddad com Ana Estela seguiram o roteiro dos anteriores. Em 8 de julho, depois de cumprir agendas em São Paulo na sexta-feira, pegou um jatinho às 8h da manhã para Brasília. Entre os 14 passageiros, estavam o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e Ana Estela. No dia 11 de julho, quinta-feira, Haddad pegou um jatinho às 20h10 para São Paulo. Ana Estela estava na lista de 23 passageiros. Na sexta, Haddad esteve no Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo e teve reuniões com presidentes de empresas automotivas.
A proteção às “altas autoridades”
O TCU havia determinado, em abril de 2022, a divulgação da lista de passageiros dos voos realizados pela FAB, mas o Comando da Aeronáutica recorreu da decisão duas vezes. No Acórdão 852/2024, o tribunal registra que deve ser observada a Lei de Acesso à Informação, que considera “imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado” e “passíveis de classificação, as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam colocar em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades e seus familiares”.
O relator da matéria, Benjamin Zimler registrou no acórdão: “Diante das considerações feitas pelo presidente Bruno Dantas, acolho a sugestão feita pelo ministro Jhonatan de Jesus no sentido de consignar que são passíveis de sigilo as informações relativas às requisições de voos em aeronaves da FAB oriundas do vice-presidente da República, dos presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF e, por extensão, de ministros do STF e do procurador-geral da República”. As demais autoridades continuam divulgando as listas de passageiros.
As viagens dos presidentes
As altas autoridades estão aproveitando o privilégio. Nos últimos dois meses, o presidente da Câmara fez 19 voos em jatinhos da FAB sem divulgar a relação de passageiros. Oito deles foram de ida e volta a Maceió. No final de julho, Lira fez até uma viagem internacional, para participar do Fórum Jurídico de Lisboa. No retorno, o jatinho oficial deixou o deputado em Maceió. O presidente do Congresso fez oito voos “sigilosos”, sendo seis deles para Belo Horizonte. O presidente do Supremo fez 28 voos país afora do final de junho, quando saiu a decisão do TCU, até o início de agosto. Não há informação sobre as listas de passageiros desses voos.
Os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo, além do vice-presidente da República têm o direito de ir para casa nos finais de semana em jatinhos “chapa branca”, como prevê o decreto presidencial que regulamenta o transporte de autoridades. Mas o ministro da Justiça não foi incluído na lista de “altas autoridades”. Lewandowski deve estar utilizando outra brecha na legislação.
O decreto n° 10.26/2020, que regulamenta o transporte de autoridades em jatinhos da FAB, abre uma brecha que beneficia os ministros do Supremo. Prevê que o ministro da Defesa poderá autorizar o transporte aéreo “de outras autoridades nacionais ou estrangeiras”. No caso de ministros do Supremo, a Defesa afirma que os voos ocorrem por “motivo de segurança”. Eles vinham sendo perturbados e sofrendo ameaças nos aeroportos. Foram registradas no ano passado 100 viagens nessas circunstâncias, sendo 87 delas com apenas um passageiro a bordo.
Moraes e esposa
Em 8 de janeiro deste ano, quando a FAB liberou pela primeira vez as listas de passageiros, o presidente Roberto Barroso fez um voo de Brasília para São Paulo em jatinho da FAB compartilhado com o ministro Haddad. Estavam na aeronave chapa-branca o ministro Alexandre de Moraes e a sua esposa, Viviane Barce de Moraes.
A regulamentação dos voos da FAB deixou várias brechas neste ano. No retorno do voo que levou Haddad e a esposa, em 20 de maio, estavam na lista de passageiros a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o ministro do STF Cristiano Zanin. Dia 4 de maio, quinta-feira, Haddad voou para São Paulo acompanhado de Tebet e mais três passageiros, incluindo Ana Estela. Nesse, os passageiros foram revelados.
Haddad explica
O blog perguntou ao ministro Haddad por que foi necessária a viagem de 19 de maio a São Paulo – o “Uber aéreo”. A assessoria do ministro respondeu que “a viagem foi necessária em razão dos compromissos realizados na cidade de São Paulo no dia 20/05/2024. A agenda Pública do ministro está disponível”.
Acrescentou que Ana Estela, que ocupa, a convite da Ministra Nísia Trindade, o cargo de secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, foi passageira no voo realizado no dia 19 de maio nos termos do Art. 7º do Decreto nº 10.267: “Art. 7º Ficarão a cargo da autoridade solicitante os critérios de preenchimento das vagas remanescentes na aeronave, quando existirem vagas disponíveis além daquelas ocupadas pelas autoridades que compartilharem o voo e por suas comitivas”.