Além de resumir relatórios, escrever e-mails ou analisar tabelas, a inteligência artificial pode parecer uma confidente perfeita. Ela não interrompe, tem paciência ilimitada e responde com frases polidas. Mas, ao contrário de uma psicóloga ou advogada, a IA não é obrigada a manter sigilo.
O conteúdo compartilhado com o ChatGPT é processado em servidores fora do Brasil e pode ser usado pela OpenAI, empresa por trás da ferramenta, para treinar seus modelos de IA — a menos que o usuário desative essa opção. O material, incluindo áudio, imagens e arquivos, ainda pode passar por uma revisão humana e, mesmo que não seja aplicado em treinamento, é retido por 30 dias.
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Sem regras claras para a IA em boa parte do mundo, cabe às empresas de tecnologia decidir o quanto revelam sobre o funcionamento dessas máquinas. Isso significa que os detalhes sobre como nossos dados são processados podem ser pouco transparentes. A relação é assimétrica: o chat sabe muito sobre você, mas o oposto não é verdade.
Abaixo, explicamos o que é possível sabr sobre o acontece com o desabafo, o exame médico ou relatório financeiro que você compartilha com o ChatGPT — e por que nem toda conversa deveria ser feita com uma IA. Por fim, trazemos um passo a passo de como usar a IA com mais privacidade.
A lista é mais longa do que parece. A OpenAI pode coletar e processar o conteúdo das suas interações, incluindo os arquivos, imagens e áudios. Também são armazenadas informações da conta, como nome, e-mail, data de nascimento, número de telefone, credenciais de login e, se você for assinante do plano pago, dados de pagamento. Por fim, dados técnicos (IP, navegador, sistema, localização) e de uso (tempo no app, cliques, funcionalidades acessadas) também são coletados.
Os dados passam por servidores nos EUA e outros países, mas também podem ser compartilhados com outras empresas — seja para armazenamento em nuvem e infraestrutura, como Microsoft e Snowflake, ou para moderação de conteúdo, como é o caso da filipina TaskUs e da americana Cinder.
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A empresa afirma seguir padrões de segurança e declara que não compartilha dados com fins publicitários, mas admite que parte desse conteúdo pode ser acessada por humanos em casos específicos, como suporte técnico, investigações de abuso ou revisão para melhoria dos modelos.
Dora Kaufman, professora do TIDD da PUC-SP e autora do livro “Desmistificando a Inteligência Artificial”, lembra que, sem regulação, falta fiscalização real sobre o uso de dados pelas empresas de IA. “Tudo que a gente sabe sobre os cuidados que essas plataformas tomam em relação aos dados são o que elas dizem”, lembra.
1. O que a IA faz com suas conversas?
Por padrão, tudo o que você compartilha com o ChatGPT — textos, áudios, imagens e arquivos — pode ser usado para treinar os modelos da OpenAI (essa opção pode ser alterada nas configurações, veja como fazer abaixo). A justificativa da empresa é que esse material ajuda os sistemas a entenderem melhor a linguagem e a melhorarem a qualidade das respostas. A promessa é que a IA aprende sobre a interação, não sobre as pessoas.
Mas para que esse aprendizado aconteça, é necessário armazenar, processar e rotular os dados. A empresa diz adotar medidas de anonimização, mas os critérios são pouco transparentes. Além disso, a própria política da OpenAI admite que humanos podem revisar materiais.
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Kaufman diz que há dúvidas sobre o quanto os dados retidos são anonimizados, apesar das alegações da OpenAI. Segundo ela, a falta de transparência sobre os critérios usados impede qualquer verificação real de que a empresa de fato retira dados pessoais, inclusive os que são acessados por humanos, o que coloca o usuário em uma “posição frágil”.
Outro ponto importante é a retenção dos dados: mesmo que você apague uma conversa ou arquivo, o conteúdo pode continuar armazenado por até 30 dias. Se for considerado necessário por razões legais ou de segurança, pode permanecer por tempo indefinido.
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Em meio a uma disputa judicial com o New York Times, que acusa a OpenAI de usar conteúdo protegido por direitos autorais da empresa para treinar seus sistemas de forma ilegal, a Justiça americana determinou, em maio de 2025, que a OpenAI deve reter indefinidamente todo o conteúdo gerado por usuários no ChatGPT. A empresa recorreu da determinação.
2. O que é e como funciona a ‘memória’ do ChatGPT
Desde o ano passado, a OpenAI incluiu uma função de “memória” no ChatGPT. Ela guarda informações como seu nome, estilo de escrita e preferências ao longo do tempo. Uma das técnicas usadas é de recuperar trechos relevantes do seu histórico e manter o contexto.
Quando a IA registra uma nova informação, o aviso “Updated saved memory” (“Memória salva atualizada”, em português) aparece na tela. Nas configurações, também possível registrar manualmente “memórias”. Por exemplo, pedindo que o ChatGPT sempre responda com textos curtos ou com um tom específico.
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A empresa diz que esses dados dessa “memorização” não são usados para treinar o modelo, só para personalizar a experiência. Mas a separação entre personalização e retenção de dados gera dúvidas, diz Luca Belli, professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio. “É preciso um certo cuidado para que depois o sistema não use as suas ideias e propriedade intelectual para oferecer respostas a pedidos parecidos”, afirma o professor.
Dora diz que o mecanismo de memória reforça a sensação de que o sistema realmente entende o usuário, o que torna o ChatGPT mais “sedutor”, inclusive para confidências mais íntimas. “Tudo isso cria a sensação de que você está conversando com uma pessoa que está entendendo. E nada disso acontece. É só um modelo estatístico, de probabilidade”, lembra ela.
Além de textos inéditos e informações confidenciais (como um documento interno da sua empresa), os pesquisadores sugerem evitar compartilhar dados pessoais sensíveis com a IA, como CPF, endereço ou registros médicos. Também lembram (e é bom ressaltar aqui) que é arriscado usar a ferramenta como confidente emocional, já que pode dar respostas inadequadas em casos delicados.
3. Quer mais privacidade? Veja o que dá para ajustar
A forma como a OpenAI lida com seus dados depende do tipo de conta que você tem. Usuários gratuitos ou do plano Plus (que é pago, mas individual) precisam agir manualmente para impedir que suas conversas alimentem os modelos.
Para isso, é preciso entrar nas configurações — clicando no seu perfil, acessando “Configurações” (Settings) e depois “Controle de Dados” (Data Controls) — e aí desligar a função chamada “Improve the model for everyone” (Melhore o modelo para todos).
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A medida evita o uso para treinamento, mas não impede o armazenamento por até 30 dias nem acesso humano em casos específicos. A única forma de não deixar rastro é usar o modo de “Chat Temporário”, que apaga o conteúdo após 30 dias, não o salva no histórico e também não o utiliza no treinamento.
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Já empresas e organizações que usam produtos corporativos da OpenAI têm um padrão diferente: os dados não são usados para treinar os modelos, a não ser que a empresa decida compartilhar voluntariamente.
Para quem quer mais controle, a OpenAI disponibiliza o portal privacy.openai.com (que está em inglês), onde é possível solicitar a exclusão, correção ou exportação dos dados pessoais armazenados pela empresa.
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É necessário comprovar a identidade para fazer a requisição, pelo e-mail da conta que será usada. São quatro opções possíveis: pedir o download dos dados pessoais que estão com o ChatGPT (opção “Download my data”); pedir para que o chat pare de treinar os modelos com as suas interações (selecionar “Do not train on my content”); excluir a conta e os dados pessoais da ferramenta (“Delete my ChatGPT account”); e, por último, remover suas informações das repostas do ChaGPT (“ChatGPT personal Data Removal Request”).
Depois de escolher a opção e confirmar a conta, o usuário recebe um e-mail de confirmação do pedido feito.