A boa participação dos clubes brasileiros no Mundial de Clubes da Fifa reacendeu um antigo debate: o trabalho desenvolvido por treinadores no País é capaz de abrir as portas no seleto mercado europeu? A questão não se restringe apenas aos profissionais nascidos no País, mas a todos que constroem suas carreiras no Brasileirão, e a resposta parece mais um paradoxo do que uma certeza.
O maior exemplo desta encruzilhada é Abel Ferreira. Treinador com mais títulos na história do Palmeiras — ele acumula 10 troféus, empatado com Oswaldo Brandão —, o português de 46 anos ainda não viu seu nome ser seriamente ligado aos clubes da primeira prateleira europeia, evidenciando que o sucesso na América do Sul, por si só, não é um passaporte garantido para o Velho Continente.
Filipe Luís, técnico do Flamengo, foi bastante elogiado pela imprensa internacional após a vitória sobre o Chelsea. Foto: Rebecca Blackwell/AP
Enquanto os técnicos que atuam no Brasil lutam por reconhecimento, a Europa vive seu próprio movimento de renovação, apostando em uma nova geração com grife. O mercado se volta para nomes como Xabi Alonso, de 43 anos, que após um trabalho brilhante no Bayer Leverkusen, assume o Real Madrid, e Vincent Kompany, 39, que mesmo após um rebaixamento na Inglaterra, foi o escolhido para comandar o gigante Bayern de Munique.
Até mesmo o italiano Simone Inzaghi, castigado com uma goleada de 5 a 0 na final da Champions League para o Paris Saint-Germain quando ainda comandava a Inter de Milão, recuperou o prestígio no Mundial após o saudita Al-Hilal, novo time do treinador de 49 anos, bater por 4 a 3 o todo poderoso Manchester City de Pep Guardiola nas oitavas de final. Já a Inter de Milão, sob o comando do novato Cristian Chivu, foi eliminada pelo Fluminense na mesma fase.
Nesse contexto, o desabafo recente de Renato Gaúcho, técnico do Fluminense, chama atenção. Em um tom de clara frustração, ele questionou a valorização dada aos profissionais que atuam no Brasil em comparação aos europeus.
“Eu queria ver um gringo fazendo o trabalho que eu estou fazendo no Fluminense. Se fosse um gringo, o discurso seria ‘tem de estar na seleção brasileira’. Mas quando é um treinador brasileiro… a realidade é essa”, disparou o treinador. “Tem de valorizar o treinador brasileiro. Se as pessoas não me valorizam, eu tenho de me valorizar”, completou.
A fala de Renato ecoa um sentimento externado por outros treinadores do País em diferentes momentos. A percepção é de que a “grife” de ter atuado ou iniciado a carreira de técnico na Europa tem um peso maior do que os resultados obtidos no exigente e caótico calendário sul-americano.
Renato Gaúcho ajudou o Fluminense a chegar nas semifinais do Mundial de Clubes da Fifa. Foto: Paul Ellis/AFP
Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa que agencia atletas, diz que “não vai abrir mercado na Europa para treinadores brasileiros. Poderiam interessar a clubes turcos, gregos, e de outros países do segundo ou terceiro escalão europeu, mas nesses, não se paga o que treinadores brasileiros ganham na nossa primeira divisão. Seguirão todos aqui.”
O caso de Filipe Luís, técnico do Flamengo, é a exceção que confirma a regra. Brasileiro, mas com uma carreira praticamente inteira como jogador de elite na Europa, sua formação e mentalidade foram moldadas no mais alto nível, o que, em tese, o credencia de forma diferente. Perto de completar 40 anos, ele é visto como um possível sucessor do argentino Diego Simeone no Atlético de Madrid, cujo trabalho de quase 15 anos à frente do time já demonstra sinais de desgaste.
“Filipe Luis: É assim que se alcança o sucesso em nove meses como treinador. Em menos de um ano, ele já conquistou três títulos como técnico, marcando tendência no Brasil, tendo Simeone como seu grande maestro”, destacou o Marca, tradicional diário esportivo da Espanha, após o Flamengo derrotar o Chelsea por 3 a 1.
Outra questão a ser levada em consideração vai além do desempenho em campo. Envolve também o domínio de outros idiomas e a imersão em uma cultura tática que se renova constantemente na Europa — além do antigo debate sobre as licenças. A aposta em Kompany e Xabi Alonso por Bayern e Real, respectivamente, mostra uma preferência por projetos liderados por figuras que já circularam nesse ambiente, entendem suas dinâmicas e possuem uma rede de contatos estabelecida.
O bom desempenho no Mundial funciona como uma vitrine importante, mas que revela um produto de difícil exportação. Ele mostra que as equipes montadas no Brasil podem competir taticamente, mas não garante que seus arquitetos serão convidados para as grandes obras europeias. Tampouco indica que a empreitada vai dar certo.
Um dos mais promissores da nova geração, Xabi Alonso faz trabalho elogiado no comando do Real Madrid. Foto: Rebecca Blackwell/AP
Para que o sucesso no Brasil se converta em um convite para comandar um gigante da Champions League, a mudança parece depender menos de um troféu e mais de uma aproximação estrutural, cultural e de formação com o epicentro do futebol mundial. Por isso, a formação de uma liga unificada no País ganhou contornos de urgência e os clubes buscam um consenso para organizar o Campeonato Brasileiro em 2027.
Do lado de lá do Atlântico, é mais difícil imaginar uma mudança de paradigma quanto a escolha de treinadores. Martín Anselmi, de apenas 39 anos, ganhou chance de ouro ao sair da Argentina para liderar o Porto, mas foi sacado do cargo com menos de um ano na função depois de não corresponder no campeonato nacional e ser eliminado na fase de grupos do Mundial. A decisão dá o tom de como o trabalho oriundo da América do Sul ainda não dispõe de “costas largas” para suportar a pressão no Velho Continente.